sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Historias de Vida

Carla anda pelos 20 anos de idade e prostitui-se. O sorriso inocente, o corpo esguio e a pequenez dos seios fazem com que pareça uma miuda de 15. É morena, magra, tem cabelo e olhos negros. É uma rapariga esbelta mesmo sem ser bonita.

Na casa de passe onde transcorre as noites é de todas a mais procurada, sendo mesmo obrigada a recusar clientes, podendo, por isso, dar-se ao luxo de ser ela a escolher com quem há-de ou não ir para a cama. Mas há uma pessoa a quem ela nunca diz que não e que ansiosamente espera pela sua visita. Visita essa que tendo começado por ser semanal acabou por se tornar mais assídua, de duas ou três vezes por semana e nunca falhando ao sábado.

Tiago também ronda os 20 anos de idade, ainda imberbe e com aquele sorriso de puto malandro até parece que só tem 16 ou 17 no máximo. É por ele que Carla espera todos os dias, porque é com ele e só com ele que ela faz amor. O resto faz farte do seu penoso trabalho.

Carla e Tiago gostam imenso um do outro. Eles não sabem bem se, esse gostar tanto é amor ou se é a atracçao impulsiva do prazer que mutuamente se concedem e que os faz ansiar por esse fugaz encontro. Se é verdade que Carla não lhe cobra nada e que sempre lhe repete que com ele é que faz amor e só com ele é que consegue atingir o clímax do acto sexual, também não é menos verdade que Tiago quase sempre traz qualquer coisa para lhe oferecer, pequenas lembranças como chocolates e coisas do género. Serão pequenas provas de um grande amor?

Mas se Tiago gosta assim tanto dela porque é que nunca, nem por uma só vez, uma única que fosse, a foi ali buscar para a levar a passear, a almoçar ou jantar ou até mesmo para tomarem um simples café? Porque é que nunca fala dela aos amigos? Em vez disso ela nunca perde o ensejo de forçar encontros com ele, aparecendo como que por acaso num qualquer dos paradeiros que Tiago frequenta e nessas ocasiões ele limitou-se a comprimentá-la quase a medo e com algum embaraço, isto sem contar com as que fez de conta que a não viu.

Porque?

Porque não pareceria bem que um respeitável rapaz, como ele, se enamorasse de uma mulher da vida, de uma prostituta. Que justificação arranjaria para dar aos seus amigos?

Só o velho Joaquim Carvalho é que notou que ali, entre aqueles dois, havia uma certa empatia. O Carvalho era um pobre cinquentão com ligeira deficiência mental que passava os dias ociosos de café em café cravando cigarros, mas só aos amigos, como ele dizia e que, depois de se aperceber da tal atracção, melhor pretexto não podia arranjar para ir cravando uns cigarrinhos a Tiago. Dizia-lhe sempre que por cada cigarro que lhe desse mais sorte teria com Carla.

Carla, da sua paixão, falava com as amigas. Mais que da paixão falava das suas ilusões. Do sonho de um dia deixar aquela vida, de ter uma casa e de ser para sempre de um só homem, do seu Tiaguinho. Carla sonhava e quando sonhava sorria bonito.

Houve um sábado que Tiago não apareceu. Outro e mais outro e muitos mais sem dar sinal de vida.

Tiago desaparecera definitivamente.

Anos mais tarde, já noutra cidade e bem longe do local onde se conheceram, Tiago encontrou o velho Carvalho que lhe garantiu que Carla tinha morrido atingida por uma bala perdida num confronto entre bandas rivais.

Tiago não acreditou em nada dessa história até porque pouco tempo depois encontrou uma das amigas de Carla que lhe disse que ela tinha continuado a prostituir-se e que se tinha tornado na mais triste das pessoas daquela casa de passe e que nunca mais ninguém a tinha visto sorrir.

Tiago deixou cair uma lágrima ao saber que Carla nunca mais sorriu bonito.

4 comentários:

José Doutel Coroado disse...

Caro José,
estória bem contada...
só espero que não tenha sido real...
mas que podia ter acontecido, lá e isso é verdade!
abs

Jose Cancelinha disse...

REALISSIMA......ate nos nomes

Jose Cancelinha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Então o fim da história? Fica assim simplesmente apenas com uma lágrima a cair pela face?